quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Sexualidade, Saberes e Direitos


Entre os dias 17 e 18 do mês de agosto acontecerá o Seminário Internacional sobre Sexualidade, Saberes e Direitos na Universidade Federal de São Carlos. O Seminário abordará questões referentes desde o campo cultural até questões referentes a autonomia do corpo.
Segue aqui uma brévia a ser pensada sobre a questão referente a construção e biologização da sexualidade...

CONSTRUÇÃO DA SEXUALIDADE

Em relação ao debate sobre trangêneros pode-se analisar o seu espaço na sociedade contemporânea relacionando com a forma que ocorreu a construção da sexualidade no mundo ocidental. Para compreender a forma como costitui os debates envoltos à esse grupo pretende-se traçar um panorâma histórico-cultural para melhor compreensão do tema.

Foulcault ao analisar a construção da sexualidade na sociedade ocidental parte de um pressuposto ligado ao regime de poder-saber-prazer que sustenta o discurso sobre a sexualidade humana. O autor se propõe a revelar a “vontade de saber” que lhe serve ao mesmo tempo de suporte e instrumento e não determinar se as produções discursivas levam a formular a verdade ou não. Foulcault parte da analise do século XVII que seria o início de uma época de repressão própria das sociedades chamadas burguesas em que não estariamos completamente “libertados”. Essa repressão era institucionalizada pela pastoral cristã que tinha como um dos deveres fundamentais saber de tudo o que se relacionava a sexo na sociedade da época. Por volta do século XVIII nasce uma incitação política, econômica e técnica a falar do sexo. Havia na época o que podemos de chamar de polícia do sexo que tinha como intenção regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição. O importante a ser compreendido quando retomamos aspectos históricos para analise é entender que não se falava menos de sexo mas sim falava dele de outra maneira. Em vez da preucupação em esconder o sexo, a caracteristica dos três ultimos séculos é a variedade, a larga dispersão dos aparelhos inventados para dele falar, para fazê-lo falar, transcrever e redistribuir o que dele se diz.

Partindo de um pressuposto de que as relações sexuais estavam ligadas somente a reprodução dentro de uma lógica religiosa houve uma multiplicação das condenações juridiciárias do que era considerado perverso. Anexou-se a irregularidade sexual à doença mental; da infâmia à velhice foi definida uma norma do desenvolvimento sexual e cuidadosamente caracterizados todos os desvios possíveis. As interogações estavam focadas particularmente na sexualidade das crianças, loucos e dos criminosos nos desvaneios e obsessões.

O importante não esta no nivel da repressão, mas na forma do poder exercido. Houve quatro operações bem diferentes da simples proibição. A primeira esta relacionada a proibição do incesto que numa perspectiva leví-straussiana esta relacionada a uma regra social e um vestigio da regra da exogamia. A segunda pode se resumir como a caça às sexualidades periféricas que provoca a incorporação das perversões e a nova especificação dos indivíduos. A homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade quando foi transferida, da prática da sodomia, para uma espécie de androgenia interior, um hemafrodismo da alma.

A terceira operação é uma biologização do gênero e as “anormalidades” constituídas como patológicas. A ultima esta relacionada aos dispositivos de saturação sexual, tão caracterícos do espaço e dos ritos sociais do século XIX. Para Foulcault o Ocidente não foi capaz de inventar novos prazeres e não descobriu vícios inéditos mas definiu novas regras no jogo dos poderes e dos prazeres nele se configurou a fisionomia rígida das perversões.

Historicamente existem dois procedimentos para produzir a verdade do sexo, uma realizada pelas sociedades chinesa, japonesa, romana e as nações árabes-mulçumanas- que dotam uma ars erotica, ou seja na arte erótica em que a verdade é extraída pelo próprio prazer, já a civilização ocidental é a única a praticar uma scientia sexualis isso significa que a verdade sexual esta em função de poder-saber rigorosamente oposta à arte das iniciações e confissão.Essa scientia sexualis tenta ajustar o antigo procedimento da confissão às regras do discurso científico. A confissão da verdade se inscreveu no cerne dos procedimentos de individualização pelo poder e passou a ser uma das técnicas mais valorizadas na produção da verdade.

Antigamente a produção da verdade a partir da confissão tinha como receptor e a quem capaz de punir, perdoar ou dar algum tipo de explicação para os que eram considerados desviantes de sua época a figura religiosa dos padres. Na sociedade moderna ocidental esse discurso esta relacionado ainda hoje à uma explicação de cunho medicinal-biológico. Isso significa que o poder de corsão continua sendo exercido porem atualmente pela figura do médico na maioria das vezes ligado a psiquiatria. O que antes nas sociedades antigas poderia ser uma manifestação maléfica por espiritos ou forças diabólicas hoje esta relacionado ao patológico. Há uma medicalização dos efeitos da confissão, o que significa que o dominio do sexo não está mais sob o registro da culpa ou do pecado e sim no regime do normal e do patológico. O sexo aparece como um campo de alta fragilidade patológico.

Ao se tratar dos dispositivos da sexualidade Foulcault mapeia os traços principais em que aborda desde a negatividade sobre o sexo que não esta dentro dos parâmetros estabelecidos como normal até a unidade do dispositivo. Com respeito ao sexo, o poder jamais estabelece relação que não seja de modo negativo: rejeição, exclusão, recusa ou ainda ocultamento. O sexo tambem fica reduzido a um regime binário opositivo: lícito e ilícito, permitido e proibido. Sobre o sexo, o poder só faria funcionar uma lei de proibição com o objetivo que o sexo renunciasse a si mesmo. Dentro de uma lógica de censura supõe-se que essa interdição tome três formas: afirmar que não é permitido, impedir que se diga e negar que exista. A lógica do poder sobre o sexo seria a lógica paradoxal de uma lei que poderia ser enunciada como injunção de inexistência, de manifestação e de mutismo.

Quando Foulcault fala de poder, deve-se compreendê-lo como uma multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitui sua organização. O poder esta em toda parte; não porque engloba tudo, mas porque provém de todos os lugares. As relações de poder não estão em posição de superestrutura, mas possuem um papel diretamente produtor alem de serem intencionais e não subjetivas.

Outro ponto importante na história da sexualidade é a inversão do conjunto constituido no século XIX, o que antes era focado numa preucupação dos familiares e educadores sobre a formação da sexualidade na infância passou para uma relação entre a psiquiatria e a sexualidade dos adultos posta em questão. Em relação a sexualidade adulta o discurso das últimas decadas tem se dirigido aos indíviduos homossexuais em que há um discurso “de reação”, ou seja, a homossexualidade pôs-se a falar por si mesma, a reivindicar sua legitimidade ou sua “naturalidae” e muitas vezes dentro do vocabulário e com as categorias pelas quais era desqualificada do ponto de vista médico.

A partir do século XVIII quatro grandes conjuntos estratégicos a respeito dos dispositivos especificos de saber e poder podem sem distinguidos: A histerização do corpo da mulher (mulher histérica); Pedagogização do sexo da criança (criança masturbadora); Socialização das condutas de procriação (o casal malthusiano); Psiquiatrização do prazer perverso (o adulto perverso). Pode-se admitir que as relações de sexo tenham dado lugar, em toda sociedade, a um dispositivo de aliança: sistema de matrimônio, de fixação e desenvolvimento dos parentescos, de transmissão dos nomes e bens.

Sobre os mecanismos de repressão na história da sexualidade houveram duas rupturas fundamentais para sua compreensão. A primeira no século XVII com o nascimento das grandes proibições, valorização da sexualidade adulta e matrimonial, esquiva obrigatória do corpo, contentação e pudores imperativos da linguagem. A segunda no século XX que é o momento em que mecanismos de repressão teriam começado a afrouxar e a partir daí constituisse uma “revolução” do sexo e uma luta “anti-repressiva” que pode ser definida como um deslocamento e uma reversão tática no grande dispositivo de sexualidade.

Michael Foulcault em sua conclusão percebe que o sexo pôde funcionar como significante único e como significado universal. É pelo sexo efetivamente que todos devem passar a ter acesso à sua própria inteligibilidade, à totalidade de seu corpo e a sua identidade.

BIOLOGIZAÇÃO DA SEXUALIDADE

Para entender como se ocorre a biologização da sexualidade é preciso levar em consideração a história da sexologia desde o seu principio e como as ciências médicas tem ganhado força no discurso biologizante à respeito de questões de ordem social como a escolha do gênero pelo individuo.

O inicio das discussões sobre a sexualidade e a formação dos estudos acerca do sexo, a sexologia, teve seu inicio na Alemanha no início do século XX que foram discutidas por Wilhelm Reich estudioso da psicanálise do indivíduo e seguidor teórico de Segmund Freud. Nessa época havia leis no código penal prussiano que criminalizavam a sodomia, ou seja, atos não heterossexuais.

A sexologia posteriormente divide-se em duas perspectivas. A primeira relacionada a patologização dos personagens sociais, o individuo deixava de ser criminoso e passava a ser condenado como doente, e a segunda corrente naturalizava os comportamentos ditos perversos ou desviantes da época, isso significava que as pessoas eram biologicamente diferentes .

Outro personagem importante referente a discussão da sexualidade e gênero foi Magnus Hirschfeld que elaborou a teoria do terceiro sexo. Para ele os homossexuais estariam em uma posição intermediária entre o homem heterossexual e a mulher heterossexual. Ligado a essa teoria esta a idéia de que o sexo não poderia ser taxativamente divididos entre homem ou mulher. Hirschfeld argumentava que os seres humanos possuiam elementos femininos e masculinos em proporções variadas. No seu tratado Geschlechtsübergänge (Transições Sexuais) desenvolveu a teoria da sexualidade como algo gradativo, que resulta da combinação de quatro elementos: os órgãos sexuais, outras características sexuais do corpo, desejo sexual e características psicológicas. A sexualidade de cada pessoa resulta da combinação em diferentes graus desses elementos, sendo por isso algo de único.

A primeira perspectiva da sexologia é indissociável do campo da política sexual e não teve alterações influênciadas pela a história, já a segunda perspectiva, a que trata sobre a naturalização dos comportamentos ditos desviantes no campo sexual, obteve mudanças no periodo pós guerra tanto geográficas, a discussão passou a ser debatida em maiores proporções nos Estados Unidos e não mais na Alemanha, e mudanças no foco, passou ao invés de concentrar as discussões sobre as perversões, concentrar a carca da sexualidade do casal heterossexual.

Nos Estados Unidos o grande repercussor das discussões sobre a sexualidade foi o pesquisador Alfred Kinsey. Em 1947 fundou o Istituto de Pesquisa sobre o sexo em Indiana, hoje chamado de Instituto Kinsey voltado para pesquisas sobre sexo, gênero e reprodução. Kinsey no seu estudo denominado Sexual Behavior in the Human Male and Sexual Behavior in the Human Female analisou um conjunto de comportamentos contrários a moral heterossexual norte-americana. Suas pesquisas sobre sexualidade humana influênciaram os valores sociais e culturais nos Estados Unidos principalmente na década de 60 na chamada “revolução sexual”.

Foi também nas décadas de 60 e 70 em um momento cultural e político em ebulição que se criou clínicas de tratamento para disfunsões sexuais. Essas “anormalidades” sexuais podem ser classificadas em Disfunsões, Desvio e Inadequação.

Disfunção: Um indivíduo funcional é capaz de levar ao fim a resposta sexual normal (Desejo Sexual > Excitação > Orgasmo > Relaxamento). O conceito de normalidade, no que tange à funcionalidade, se confunde com o conceito de índivíduo hígido. A disfunção então ocorre em alguma fase da resposta sexual:

* Apetência – inibição do desejo
* Excitação – Disfunção Erétil (DE), lubrificação inadequada
* Orgasmo – anorgasmias, distúrbios da ejaculação.

Desvio: comportamento que foge a certo padrão cultural de uma sociedade em determinada época. Os desvios podem ser classificados em:

* Desvios do objeto: necrofilia, fetichismo, maiseufilia, etc
* Desvios de objetivo: exibicionismo, voyeurismo, etc. Sendo o objeto sexual: qualquer ser (animado ou não) alvo da atração sexual ou também pode ser entendido como a união sexual, ou atos que conduzam a esta união.

Inadequação: A diferenciação entre adequação e inadequação segue critérios psicológicos. É um conceito relacionado ao equilíbrio interno de cada parceiro e de interações equilibradas entre eles:

* Um indivíduo Adequado não se queixa, está satisfeito.
* Um indivíduo Inadequado não está bem consigo mesmo ou com seu parceiro.

Um casal pode ser considerado adequado mesmo portando disfunções (homem impotente e mulher vagínica) ou desvios (homem sádico e mulher masoquista).

O que interessa referente a esse trabalho é que em relação à outros tipos de disturbios aparece como um deles o transsexualismo que na classificação médica esta relacionado a um transtorno de identidade sexual, ou seja, a incompatibilidade entre a anatomia genital e identidade sexual.

Até os anos 70 a homossexualidade estava presente como item no manual de doenças mentais. O movimento homossexual promulgou uma luta a favor da retirada da conduta homossexual da categoria que patologizava o termo.

A terceira onda sexológica ocorreu no campo da medicina sexual nos anos 80 e acabou por reconfigurar o campo da sexologia. A função sexual passou a patir dos estudos de Masters e Johnson a ser concebidas a partir das relações do casal. Houve também um aumento em estudos cientificos e na produção de artigos sobre a disfunção sexual masculina e produção de tratamentos. Pode se pensar que houve uma transferência da discussão das disfunções sexuais para discussões a cerca da difusão erétil. A sexualidade do homem passou a ser estudada e focado no campo do fisiológico e as disfunções da mulher ligado ao campo psicológico. A sexualidade masculina adquiriu autonomia à unidade marital levando a elaboração dos estudos ligado a impotência.

A discussão atual esta relacionado a contraposição entre medicina sexual e saúde sexual. A partir da década de 90 surge uma medicina sexual desenvolvendo paralelamente as outras vertentes até agora produzidas.

Recentemente foi publicado no Brasil um artigo sobre disfunções orgânicas do desenvolvimento sexual pela Revista Fapesp que aborda essa concepção ligada as áreas médicas e não as relações sócio- culturais, geográficas ou de etnicidade ligada ao indivíduo.

“Uma pessoa que apenas se sente homem ou mulher, sem nenhum distúrbio biológico nem a identidade sexual correspondente, pode apresentar transtorno psíquico de identidade de gênero.” (p.21)

O artigo produzido por uma revista científica ainda traduz os comportamentos que não estão dentro dos padrões de normalidade estabelecidos pela sociedade como patológicos ou de ordem fisiológica. Outra discussão importante que aparece no mesmo artigo é referente ao termo ainda usado por pesquisadores das áreas médicas e biológicas que apresenta uma conotação referente ao patológico. O termo homossexualismo referido ao ato ou comportamento de individuos que sentem atração fisica ou psicológica a outro individuo do mesmo sexo e particularmente o sulfixo ismo remete a idéia de anomalia.

“ O homossexualismo constitui outro universo distante dos distúbios biológicos. Nesse caso, a identidade de gênero se mantém: são homens ou mulheres que se aceitam como homens ou mulheres e escolhem outros homens ou mulheres como objetos amorosos. Já nos travestis a identidade de sexo é estável, mas a de gênero é flutuante: os travestis sabem que são homens, mas podem às vezes se comportarem como mulheres” [grifo meu] (p.21)

As ciências sociais, as pesquisas ou até mesmo a conversa informal com travestis não condiz com o artigo no sentido em que os travestis se aceitam como homens , no seu saber fisiológico, porém em relação ao gênero se definem como mulheres até mesmo na troca do artigo ou do sujeito na estruturação de suas frases referentes a esse grupo e/ou a si própria.

Bibliografia

FOULCAULT, Michael. História da Sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.

RUSSO, Jane A. O campo da sexologia e seus efeitos sobre a política sexual. Centro Latino- Americano em Sexualidade e Direitos Humanos. Instituto de Medicina Social- IMS/UERJ.
Revista de Pesquisa, Ciência e Tecnologia no Brasil. FAPESP, abril 2010. N° 170. FIORAVANTI, Carlos.Grupo de pesquisa paulista caracteriza 23 disfunções orgânicas do desenvolvimento sexual

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